Resenha - 1984

Título: 1984
Título Original: 1984
Livro Único.
Autor: George Orwell
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 416
Ano: 2009
Saiba mais: Skoob
Comprar: Submarino // Extra // Amazon // Fnac

Ficção científica? Esse imaginário mundo de 84 mais se assemelha à uma tradução do século XXI. E não se esqueça: The Big Brother is watching you.

Sinopse: "1984" não é apenas mais um livro sobre política, mas uma metáfora do mundo que estamos inexoravelmente construindo. Invasão de privacidade, avanços tecnológicos que propiciam o controle total dos indivíduos, destruição ou manipulação da memória histórica dos povos e guerras para assegurar a paz já fazem parte da realidade. Se essa realidade caminhar para o cenário antevisto em 1984 , o indivíduo não terá qualquer defesa. Aí reside a importância de se ler Orwell, porque seus escritos são capazes de alertar as gerações presentes e futuras do perigo que correm e de mobilizá-las pela humanização do mundo.

A Trama: É 1984. O mundo agora está dividido em Oceânia, Lestácia e Eurásia com a guerra e a paz mudando de lado constantemente. Um mundo cercado por teletelas, aparelhos que transmitem a mídia manipulada ao mesmo tempo em que mantêm todos vigiados o tempo inteiro. Os mantimentos são friamente fracionados, o passado pode ser alterado em prol dos interesses do Núcleo do Partido e qualquer suspeita de não-aceitação é considerado pensamentocrime. A Novafala é o idioma do futuro, a única língua que diminui no lugar de se enriquecer. Amor, felicidade, satisfação? Subliminarmente, a real intenção do Partido é que reste apenas ódio, medo e temor no coração das pessoas, querem que os únicos músculos utilizados sejam os dos braços, nunca o cérebroÉ nessa realidade que Winston Smith vive.

O ritmo, até cerca da metade do livro, permite ao autor explicar o horror da situação global. Depois disso, 1984 se torna o livro mais pesado e torturante (no melhor sentido possível) que li até agora. A franqueza e a transparência de George quando diz que a opressão é irreversível, retirando qualquer esperança de um mundo melhor... Sim, é preciso estar preparado para entender o jogo psicológico, mesmo sendo viciante e totalmente instigante.

O Protagonista: Winston chegou ao limite do seu nível de sanidade mental. Nada mais importa agora, apenas sobreviver o máximo de tempo possível enquanto deixa claro seu ódio e repulsa do Grande Irmão. Começar um relacionamento às escuras, escrever um diário com sua opinião, o pior pensamentocrime de todos... Tudo isso é apenas a faísca com a qual ele pode contribuir para uma suposta revolução. Winston também é perturbado por lampejos do que seriam suas verdadeiras lembranças, em batalha constante com as impostas pelos Partidários. Ele não possui tanta força de vontade, mas no fundo quer acreditar que haverá um lugar melhor, mesmo que nunca o alcance.

Os Personagens Secundários: Julia é sem dúvida a principal, mas não me afeiçoei muito à personagem. Era ela quem mais tinha ideias para quebrar as regras impostas, porém, ainda acho que seu papel na história era só 'preencher o espaço'. O'Brien foi o mais confuso e difícil de entender, mas qualquer coisa que eu revele sobre ele seria considerado spoiler, por isso só digo "amigo ou inimigo?"
a ideia do Grande Irmão foi incrível. Ninguém nunca o viu, mas todos acreditam na sua existência e nas "suas" palavras. Ninguém faz a menor ideia que ele não passa de um ícone imortal, o alimento para ilusão da população. O mesmo ocorre com Emmanuel Goldstein, o "salvador" dos revolucionários, mas também não passa de uma imagem significando rebelião, revelação, rebeldia. Uma das coisas mais interessantes no livro são os vários detalhes que o autor não revela para que cada leitor tire suas próprias conclusões. E ainda há os proletas, que representam 85% da população, totalmente ignorantes e indiferentes aos problemas do mundo.

Capa, Diagramação e Escrita: Colorida ao mesmo tempo em que é simples, a arte de capa está dinâmica e compatível com o significado do livro. Eu adorei a diagramação, mesmo a letra não sendo tão grande. Há bastante espaçamentos que, aliás, foram tão bem usados que dão um charme a mais à edição. Eu encontrei alguns erros de revisão e pontuação, nada muito grave.

Se a história já tem peso suficiente para mudar pensamentos, a escrita foi como um canhão que disparou com tudo! Posso afirmar com certa certeza que George possuía uma mente perturbada. O jeito como entoa e ajusta as palavras nas explicações e diálogos pode deixar qualquer mente fraca em frangalhos. É difícil por em palavras tudo que Orwell me fez passar. Eu me senti hipnotizada ao mesmo tempo horrorizada pela sua narração em terceira pessoa.

*Notas: No final livro, George preparou um apêndice especial para explicar melhor como funciona a Novafala de uma forma mais aprofundada, e eu achei bem mais eficiente do que um Glossário com apenas termos traduzidos. Logo depois há três interessantes prefácios de críticos consagrados de épocas respectivas.



Concluindo: Durante a leitura desse livro minha zona de conforto foi quebrada a cada virada de página. Entrou na lista dos melhores da minha vida! Tem todos os ingredientes que um ótimo livro precisa, e por ser volume único foi inevitável não sentir aquela sensação de "Alguém arrancou umas 100 páginas!". É o livro que eu recomendo a todos, mas ao mesmo tempo nem todos estão preparados para ler. É preciso cabeça e estômago para aguentar e absorver seu conteúdo. Enfim, leia com calma e de preferência em um momento feliz, pois talvez você se sinta um pouco depressivo durante a leitura :P

Quotes:
Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força. [...] Tirou do bolso uma moedas de vinte e cinco centavos. Ali também, em letras minúsculas e precisas, estavam inscritos os mesmos slogans, e do outro lado da moeda via-se a cabeça do Grande Irmão. Até na moeda os olhos perseguiam a pessoa. Nas moedas, nos selos, nas capas dos livros, em bandeiras, em cartazes e nas embalagens de cigarro - em toda parte. Sempre aqueles olhos observando a pessoa e a voz a envolvê-la. Dormindo ou acordado, trabalhando ou comendo, dentro ou fora de casa, no banho ou na cama - não havia saída. Com exceção dos poucos centímetros que cada um possuía dentro do crânio, ninguém tinha nada seu.

Hoje, porém, não havia como sentir um puro amor ou puro desejo. Nenhuma emoção era pura, pois tudo estava misturado ao medo e ao ódio. 

A ciência e a tecnologia desenvolviam-se a uma velocidade estonteante, e parecia natural acreditar que continuariam se desenvolvendo. Isso não aconteceu em parte devido ao empobrecimento provocado por uma série longa de guerras e revoluções, em parte porque o avanço científico e tecnológico dependia do hábito empírico do pensamento, que não pôde sobreviver numa sociedade regimentada da maneira restrita. O mundo hoje, como um todo, é mais primitivo do que há cinquenta anos.

Enquanto eles não se conscientizarem, não serão rebeldes autênticos e, enquanto não de rebelarem, não têm como se conscientizar.