Resenha - Diário de Uma Escrava

Título: Diário de Uma Escrava
Livro Único.  
Autor: Rô Mierling
Editora: DarkSide Books
Páginas: 240
Ano: 2016
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Sinopse: Laura é uma menina sequestrada e jogada no fundo de um buraco por alguém que todos imaginavam ser um bom homem. Ela vê sua vida mudar da noite para o dia, e passa a descrever com detalhes sinistros e íntimos cada dia, cada ato, cada dor que o sequestro e o aprisionamento lhe fazem passar. Estevão é homem casado, trabalhador, pai de família, mas que guarda em seu íntimo uma personalidade psicopata. Ele percorre ruas e cidades se apossando da vida de meninas ainda muito jovens, pois dentro de si uma voz afirma que é dele que elas precisam. Mergulhando fundo nessa fantasia, ele destrói vidas, famílias e sonhos, deixando atrás de si um rastro de dor e morte.
Narrado em parte em forma de diário, o livro acompanha mais de quatro anos da vida de Laura em um buraco embaixo da terra, período em que algo dentro dela também se modifica de uma forma inimaginável em busca da única maneira para sobreviver. Publicado originalmente na plataforma digital Wattpad, onde já teve mais de um milhão e meio de leituras, DIÁRIO DE UMA ESCRAVA apresenta um retrato duro, cruel, abominável, mas infelizmente corriqueiro no Brasil e em todo o mundo.
Através de Laura, raptada ainda adolescente por um homem que ela chama de “Ogro”, a autora denuncia os diversos tipos de violência que muitas mulheres são obrigadas a suportar em silêncio e nas sombras da sociedade. O “Ogro”, um homem aparentemente comum, honesto e “acima de qualquer suspeita”, mantém Laura presa em uma casa afastada, onde abusa dela sexual e mentalmente, alegando ser ela o seu verdadeiro amor. Laura, compreensivelmente, só pensa em escapar dali. Mas agora ele parece estar mudando. Será que é o melhor momento mesmo para fugir?... Bem, isso você vai ter que ler para descobrir.

A TramaDiário de Uma Escrava é um livro pesado, angustiante e até mesmo perturbador. Acompanhamos o suplício de Laura, uma garota que foi sequestrada aos 15 anos de idade por um homem que ela chama de Ogro. Após quatro anos dentro de um buraco na terra, ela já passou por todo o tipo de dor imaginável, vive em uma situação deplorável e é estuprada diariamente por seu algoz. Mas ela nunca perdeu a esperança de conseguir fugir dali.
O livro tem, sim, a intenção de passar uma mensagem sobre esse tipo de violência cometido, principalmente contra mulheres, pelo mundo todo. E, obviamente, esse é um assunto que deve ser discutido, e fico muito feliz em saber que esse tema ganhou voz em um livro publicado pela DarkSide, o que o fará ser muito conhecido. Deixando isso bem claro, o restante da minha opinião diz respeito à obra como literatura para entretenimento.
A história começa muito bem, com um clima pesado e logo mostra o terror da vida da protagonista. Se tratando de um diário (apesar de não ser escrito exatamente como um), há muitas cenas narrando os estupros e as torturas de forma bem gráfica. Não é um livro para se sentir confortável lendo, mas sabe quando dá aquela impressão de que algo está ali só para chocar? Aquela é a realidade de Laura e, infelizmente, tudo aquilo acontecia com ela diariamente, mas chega um ponto em que a narrativa se torna repetitiva, inclusive repetindo coisas que já haviam sido ditas antes, só que de uma forma diferente, como que para encher linguiça (mais uma vez, digo isso avaliando o livro como obra literária).
Do meio para o final, parece que a autora perdeu o rumo da história que estava contando. Muitas coisas acontecem por causa de coincidências e isso tirou um pouco da veracidade da história, principalmente se tratando dos eventos finais. A autora tentou explicar em um nota o porquê de ela ter deixado o livro terminar desse jeito, mas não consigo engolir a forma como ela fez isso. Faltou uma trabalho bem mais aprofundado no psicológico da Laura para aquilo fazer algum sentido para mim.

Os PersonagensÉ impossível não ter certa empatia por Laura e torcer para que ela consiga sair daquela situação, mas ela também conseguiu me frustrar diversas vezes ao longo da trama. Sei que em situações de pânico o choque não permite que tenhamos uma reação imediata, mas muitas das situações em que a autora coloca a protagonista e a reação desta para com elas, não deixa transparecer que Laura tem vivido aquele horror por quatro anos. É horrível dizer isso, mas logicamente falando, depois de tanto tempo vivendo daquela forma seria de se esperar que nada mais a chocasse ao ponto dela ficar estática. Me pareceu que a autora apenas regrediu a experiência de Laura para introduzir a história aos leitores. Além de tudo isso, a decisão que a protagonista toma no final me deu vontade de tacar o livro na parede.
Quanto a Estevão, ou o Ogro, preciso corrigir algumas coisas ditas na sinopse. Ninguém pensava que ele era um bom homem, apenas o ignoravam, e ele não era pai de família, pois não tinha filhos com a esposa. Estevão desempenha exatamente o papel que a autora o deu: um homem doente, desprezível, que não tem medo de ser pego. Aquele personagem que causará um ódio profundo em qualquer um que ler o livro. Conhecemos alguns outros personagens ao longo do livro, inclusive algumas das outras vítimas do Ogro, mas que devem ser conhecidos conforme o leitor avança na história.
  
Capa, Diagramação e Escrita: Não há o que reclamar da edição do livro. A capa tem um trabalho gráfico maravilhoso (a borboleta se completa na contra-capa), as bordas tem um degradê de azul com lilás (o motivo explicado logo no início da história), e a diagramação está linda, como sempre. Há alguns erros de revisão que me incomodaram um pouco, mas dá para passar por eles sem muitos problemas. A escrita da autora não é ruim, mas ela tem uns vícios de linguagem que não me agradaram muito, além do fato de dar algumas voltas desnecessárias para enrolar no desenvolvimento da trama. Apesar dela ter escrito outras coisas, me pareceu uma narrativa amadora, de iniciante, principalmente na segunda parte do livro.

Concluindo: Diário de Uma Escrava conta uma história necessária de ser debatida, mas de forma um tanto amadora. Eu não sou de achar ruim quando um livro não termina da forma que eu queria, eu gosto de ser surpreendida com um desfecho que dói e vai me deixar sofrendo e/ou chocada com aquilo por um bom tempo (masoquista nenhum pouco), mas eu preciso acreditar naquela decisão do autor, ver que aquele final tem uma base e uma coerência com a história, que tudo foi trabalhado da forma correta para terminar daquela maneira, o que não acontece aqui. O livro, ainda assim, é incômodo, triste, angustiante e, mesmo que você não goste tanto dele no final, vai valer a pena a leitura.

Quote:
(...) Acredito fielmente que escravos e prisões não se fazem somente com paredes, grades ou algemas, mas também com simples palavras e situações. O poder que ele tem sobre mim é incalculável. Eu, na verdade, não consigo visualizar uma vida sem o Ogro, porque sei que ninguém mais me aceitaria nesse mundo depois de tudo que passei.